quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

NÃO SEI SE CHEGAREI LÁ

Costumo, todos os finais de ano, visitar algumas instituições beneficentes, principalmente, aquelas que abrigam e assistem pessoas idosas e doentes. Desta vez, eu encontrei aquela figura que completou oitenta e sete anos de idade no dia primeiro de dezembro sendo  uma das pessoas mais queridas naquele abrigo para idosos.
Quando ele me viu, sorriu e disse; "Você por aqui, outra vez?"
Confesso que a frase do  "seu"Antonio me deixou embaraçado porque desde dezembro do ano passado eu não entrava naquele local. Será que ele me confundiu com outra pessoa? O que será que aconteceu com ele. Seria o sinal daquela doença denominada de "alemão"que faz o paciente esquecer ou trocar a ordem das coisas? Fiquei na minha e respondi confirmando - de mentirinha - o que ele havia me dito.
Sentei-me na cadeira vazia ao lado da cama onde ele estava deitado e ataquei rapidamente:
" O senhor está com a aparência muito boa. O seu sorriso demonstra isso."
Ele me olhou, resmungou baixinho e explicou:
"Não venha dizer tal bobagem, meu filho. Ontem (?) fizeram uma festinha pra mim porque eu completei oitenta e sete anos. Sabe lá o que é isso? Oitenta e sete anos de vida!
Disse a ele que não era muito porque havia pessoas que chegavam a ter até mais de 95 anos.
"Meu filho. Eu não chegarei nessa idade, nunca!"
"Por quê" eu lhe perguntei.
Ele se mexeu na cama procurando ficar com o seu rosto mais perto de mim e confessou:
"Se para chegar nos oito ponto sete foi uma luta, imagine nos nove ponto cinco. Não há motor que aguente!"
"Aguenta! "respondi sorrindo.
"Você sabe que passei a minha vida ensinando matemática aos jovens. Hoje, é a matemática que me ensina que tudo na vida está programado, com soluções pré determinadas quer sejam algébricas ou não."  
"Era Pitágoras que afirmava isso?" eu lhe perguntei.
Ele tossiu e sorrindo me respondeu:
"Pitágoras era o homem do teorema. Nada com a Álgebra que não lhe dizia coisa alguma." 
Pensei um pouco sobre o que ele havia me dito e fingi concordar. 
"O senhor gostava da regra dos nove fora, não gostava?"
"Gostava não é a palavra certa. Continuo acreditando na regra popular dos nove fora. É a mais significativa e correta maneira de se encarar os cálculos existentes nessa vida."
Daí, eu mandei um desafio para aquele que foi, há muito tempo, um espetacular matemático famoso.
"O senhor fez oitenta e sete anos. Oito mais sete é igual a quinze. Nove fora sobram seis. Então mais seis anos de vida, no mínimo, estarão sendo comemorados pela frente. Não é?"
O "seu"Antonio, deu um sorriso amarelado, olhou para mim e me deu o troco.
"Do resultado negativo você deve completar até chegar novamente ao nove. Portanto, eu devo três anos, ou melhor, já vivi três anos a mais do que deveria viver. Deu pra entender?"
Ele me pegou! É verdade! Lembro-me que essa regra dos nove fora teria que dar o resultado zero para que as contas sejam acertadas. Se der a mais, acrescente-se o que falta. É o devedor que manda. Se der a menos acrescente o que falta para chegar ao nove e comemore essa vantagem como credor.
Dei um sorriso maroto para o "seu "Antonio e falei:
"O senhor continua o mesmo. Nove fora é consigo mesmo. Ainda bem que vamos entrar no ano de 2012  que se forem somados dariam cinco então teríamos quatro de lambuja. Não é?"
"É nada! Você se esqueceu do dia e do ano. Se você acrescentar esses números, verá a realidade dos fatos. No meu caso eu completei oitenta e sete anos no dia 01 de dezembro. Ou seja, é somarmos 1+1+2+2+0+1+2 teremos o resultado fixo de nove. Sem qualquer variação. Agora colocamos a regra: nove fora = nada! Nadinha de nada. Compreendeu?
Pensei um pouco e concordei com o "seu"Antonio, conhecido na época em que cursei o colégio como o professor "Tonhão"
"E agora, "seu"Antonio?"
"Veja como eu não sei se chegarei até depois de amanhã quando vamos virar o ano, porque já estou vivendo quase um mês de lambuja." 
Entendi o raciocínio daquele professor e ao tentar me levantar da cadeira onde estava sentado, ouvi um pedido do "seu"Antonio.
"Posso lhe apertar as mãos para desejar um feliz ano novo."
Respondi que podia e que seria um honra para mim receber o seu aperto de mão.
Senti muita fraqueza naquela aperto de mãos e o meu coração bateu mais forte. Seria uma despedida para sempre?  Desejei a ele um feliz ano novo. Ele começa depois de amanhã.
A sua resposta foi imediata mas lenta:
"Não sei se chegarei lá."
Com dificuldades, virou-se para o ouro lado, fingindo que iria dormir.
Se dormiu ou partiu para sempre eu não sei porque algumas lágrimas brotaram nos meus olhos fazendo com que eu procurasse sair daquele quarto o mais rápido possível.
 Nove fora, foi o que eu fiz. 

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