quinta-feira, 31 de outubro de 2013

QUEM FALA, PAGA!

                       Aldo Zottarelli Júnior

Ele sempre foi complicado para falar e entender as coisas. Daí o seu apelido de "Zé Complicado".
Um dia, eu me encontro com ele.
- Tudo bem, Zé?
- Bem porque? Eu lhe devo alguma explicação se estou bem ou não? Eu não vivo às suas custas. Está bem assim? 
Típica resposta mal educada de quem costuma complicar qualquer tipo de bate papo. 
- Você continua o mesmo, hein Zé?
- Como o mesmo? Eu nunca mudei nada a não ser a roupa do corpo.
Parecia que a coisa iria se complicar.
- É Zé, com você é na base de quem fala, paga.
- Nada disso. Quem falou, paga - respondeu-me.
- Quando falamos daquele que fala alguma coisa, seja séria ou besteira, temos que pagar pelo que falamos - retruquei.
- Está vendo. Falou, pagou e não quem fala, paga.
- É o mesmo. Só que eu falo no presente e você no passado.
- Você quer dizer que eu estou ultrapassado?
- Nada disso. Eu apenas afirmei que você falou no tempo passado.
O Zé me olhou desconfiado. Olhou para o céu. Depois para o chão e mandou:
- Tempo é uma coisa e, neste momento, estamos falando de outra coisa.
- Como outra coisa?
Apareceu um sorriso na face daquele cara que me deixou intrigado. E fiquei mais ainda, quando ele falou:
- Se estamos aqui agora é porque ontem estivemos no passado.
- Perfeito! Parece que você entendeu a minha afirmação de quem fala, paga.
- Nada disso. Confirmo o que eu sustentei, quem falou, pagou.
Olhei bem para aquele teimoso e lhe disse:
- Zé me parece que a sua teimosia está levando essa nossa conversa à uma complicação do tamanho de um bonde.
- Onde está esse bonde?
- Que bonde? - perguntei.
- Esse treco de bonde que você falou.
- Faz parte do passado. É claro que hoje não temos mais um bonde sequer. Passou.
- Tá vendo? Passou, não é?- pensou e completou - Ele não está passando, está?
- Claro que não.
- Pois bem, se ele passou, passou ou quem falou, pagou.
Poderia ficar horas tentando explicar para o Zé o que significava a expressão "quem fala, paga" mas ele jamais iria entender. Resolvi concordar com ele e levar a frase para o passado.
- Está bem, "seu"Zé.
- Eu não sou "seu" e nem de mais  ninguém.
- Me desculpe. Não foi isso que eu quis dizer.
- E o que foi, então?
- Esquece! Estou pagando o "mico"
- Mico? Que mico?
- Esse de querer que você entenda, de uma vez por todas, que a frase correta daquela expressão é quem fala, paga.
- Tudo bem, companheiro.
O que foi isso? Fiquei espantado. Um milagre? Será que o Zé Complicado descomplicou-se.
De repente o Zé me olhou com seriedade e manda: 
- Se você disser quem fala, paga, eu vou ficar sempre na sua frente levando vantagem, porque para mim a coisa já aconteceu, ou seja, quem falou, pagou.
Entendi que a coisa iria se complicar mais uma vez e resolvi encerrar o papo.
-  Cansei de falar. Vou embora. Até logo.
- É isso aí. Se você cansou de falar vai pagar porque comigo é assim: falou, pagou. Tá bem assim? Eu tenho sempre a razão.
E saiu cantando louvores aos santos protetores das suas idiotices.

O autor é educador, escritor e músico.
e mail: aldozottarellijunior@gmail.com

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