Ali, sentado no banco do jardim central, eu estava matutando sobre Rio Claro.
Naquele momento, motivo da minha presença naquele local, havia terminado a apresentação, que não houve, da Banda dos Ferroviários e, até agora, ninguém soube explicar porque a apresentação foi suspensa. Talvez porque ficaria difícil ler as partituras musicais num jardim bastante escuro como o do coreto, onde a banda também não caberia. Então. . . deixemos isso para trás e vamos para frente.
Encontro com o meu amigo Dalton e o convido para sentar-se comigo para vermos a banda passar. . . em retirada. Ao mesmo tempo, vimos as pessoas passando sorrindo, brincando, em plena 9 horas da noite, curtindo os momentos das festas natalinas que já estavam se aproximando. Bacana.
- Aldo - disse-me o meu amigo - eu quero lhe contar algo que me impressionou.
- Conta.
- Um conhecido nosso me pediu que falasse com você, que sabe das coisas e como encontrá-las, que ele precisa de um diploma de médico. De preferência de ginecologista.
Como o Dalton sempre foi um gozador de marca maior, eu cai em gargalhadas. Ele me afirmou que era a verdade. Eu pensei comigo, como um homem, já bastante idoso, iria pedir ao Dalton para pedir ao Aldo um diploma falso de médico. Isso seria simplesmente impossível e acima de tudo ilegal, imoral e ridículo.
- Porque é que esse cara quer um diploma de médico ginecologista? - perguntei ao Dalton.
- Para consultar de graça as menininhas que vivem nesta cidade. Bolinar cada uma delas, seria o correto.
Pedi para o Dalton mudarmos de canal porque esse era o tipo de assunto que eu não queria e nem gostaria de abordar. E aproveitei para mandar um recado ao malandro tarado que queria ser um falso médico:
- Esse tipo de pessoa ainda poderá ser condenado pela Nossa Senhora de Ajapí.
- Ajapi? - perguntou-me o Dalton.
Aí eu lhe contei que, quando eu era criança, tinha os meus doze anos de idade, nas matas de Ajapi, algumas crianças viram esse milagre do aparecimento de uma santa. A coisa ferveu de tal maneira que no dia seguinte, milhares de pessoas adentraram as matas daquele pequenino bairro de Rio Claro, na esperança de encontrar a imagem viva da Nossa Senhora. Como um menino curioso, também fui em busca desse milagre. Eu queria ver a Santa. Mas o que eu presenciei foi um grande número de pessoas andando sem direção e orando em voz alta para a Nossa Senhora. Uns estavam ajoelhados e chorando enquanto oravam e pediam a cura de alguma doença de que eram portadores. Assim, vi cadeirantes ou deficientes físicos e mentais apoiando em muletas e bengalas chamando pela Santa.
Aquilo me deixou triste e assustado. Voltei o mais rápido possível com o minha bicicleta "Victória" para a minha casa, enfrentando a poeira da estrada, levantada por centenas dos mais variados veículos que passavam para que os seus ocupantes fossem orar ou falar com a citada Santa. Até pessoas caminhando de joelhos e chorando eu vi e ouvi as suas súplicas para com a Nossa Senhora. Incrível!
No dia seguinte, um domingo, eu estava assistindo a missa das nove horas, na matriz de Rio Claro, ouvindo o padre informar aos católicos presentes que a visão das crianças de Ajapi foi considerada falsa pela Diocese que pesquisou e chegou a essa conclusão. Nas igrejas católicas da região o recado foi o mesmo e, aos poucos, diminuiu o número de curiosos ou desesperados que foram às matas de Ajapi na busca do impossível encontro com a Santa. Em poucos dias, ninguém mais comentava sobre o assunto e a mata de Ajapi voltou para a sua vida corriqueira e normal.
E pensar que tantas pessoas acreditaram no aparecimento da Nossa Senhora, em Ajapi.
Isso agora faz parte da história de Rio Claro, onde muitas pessoas nem sabiam que um dia isso tivesse aciontecido.
Olhei novamente para o Dalton e caimos numa sonora gargalhada, imaginando o nosso conhecido que queria ser um falso médicio clinicando e bolinando as meninas da região. Provavelmente ele seria denunciado e preso.
- E também condenado pela Nossa Senhora de Ajapí - exclamou o Dalton.
- Sim, pela Santa inexistente de Ajapi - respondi.
- Se o diploma de médico é falso e a Nossa Senhora de Ajapi jamais existiu, o que é que iria acontecer? Fale para mim, meu querido Aldo.
Fiquei em silêncio vendo as pessoas passarem à minha frente, sorrindo e felizes e, entre elas, moças bonitas vestindo shortinhos bastante curtos e blusas transparentes.
- Com a idade que temos como a do do nosso amigo tarado, sabemos que ele está com a razão - falei para o Dalton.
- Que razão?
- Antes de responder-lhe, acho que vou consultar a Santa de Ajapi sobre esse assunto. Pode ser que para mim ela apareça e me arranje um diploma de médico. O que você acha?'
- Peça dois diplomas - respondeu-me o Dalton com um sorriso sarcástico e emendou - Um pra você e o outro pra mim. Podemos até usar a frase : "a ocasião faz o ladrão".
Pensei e mantive-me em silêncio até mandar:
- Neste caso, seria: "do sonho sonhado se faz o tarado"
Né não?
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